ORAÇÃO E IMAGINAÇÃO
Quando lemos o salmo 23, um dos salmos mais admirados da Bíblia, reconhecemos que Davi, para escrevê-lo, teve a sua mente dominada por elementos e imagens que conhecia muito bem: ovelhas, pastos, águas cristalinas, perigos, cuidado, proteção, inimigos. Este era o cenário no qual ele havia crescido como pastor de ovelhas. Não foram poucas as vezes que Davi precisou conduzir seu rebanho de ovelhas em busca de melhores pastos, de águas mais puras ou lugares mais seguros. Também não foram poucas às vezes em que teve de enfrentar feras para proteger seu rebanho. Tais cenas estavam presentes na mente de Davi e alimentavam sua imaginação quando orava e pensava em Deus.
Certa vez, Jesus convidou seus discípulos a olharem os lírios do campo ou a considerarem as aves do céu. Sugeriu-lhes um exercício de imaginação. Se parassem para observar um pouco e deixassem que suas mentes fossem dominadas por aquele cenário, certamente iriam experimentar uma nova compreensão do cuidado e do amor de Deus. As parábolas de Jesus também são um convite à imaginação. De algumas, ele explica o seu significado; em outras, deixa que a mente dos ouvintes imagine o que ele estava propondo. É impossível ler a parábola do filho pródigo sem imaginar as cenas do filho deixando a casa, comendo as sobras dos porcos, voltando para casa cheio de ansiedade e medo e sendo recebido e abraçado pelo seu pai. São passagens que desafiavam e ainda desafiam a imaginação.
Somos treinados para pensar sistematicamente. Buscamos explicações, causas para possíveis efeitos, sentido histórico e gramatical das sentenças e dos textos, exegese das línguas originais, a relação da parte com o todo e a estrutura literária. Tudo isto é importante no estudo das Sagradas Escrituras e no desenvolvimento da experiência espiritual. Mas, para o exercício da oração, precisamos de uma mente inundada de imagens que nos façam ver, provar e sentir o cuidado de Deus. Sei que uma proposta aparentemente tão abstrata envolve riscos, mas sinceramente não vejo nenhuma possibilidade de orar apenas com as definições sistemáticas articulando-se dentro de um racionalismo frio e impessoal. Considerar as aves do céu e os lírios do campo não é trabalho de um exegeta - é tarefa para poeta.
O livro de Apocalipse é outro destes textos que nos convidam à imaginação. A visão de João na ilha de Patmos é carregada de imagens, e são estas imagens que o ajudam a compreender a natureza da Igreja, o lugar do poder político representado por Roma, o sentido da oração e da adoração, o reinado e domínio de Jesus Cristo. João encontrava-se exilado. No exílio, o poder do Império Romano mostra-lhe quem é que manda, mas em sua visão, ele contempla o Cordeiro de Deus, o Leão da tribo de Judá, aquele que venceu e pode abrir o livro. No exílio, João encontra-se impossibilitado de fazer algo relevante, mas na visão ele reconhece que suas orações, bem como as orações de toda Igreja marginalizada e perseguida, têm um poder muito mais extraordinário do que todo o exército romano. Estas visões alimentam a imaginação de João e dão sentido à sua vida, mesmo na condição de exilado..
A falta de imaginação reduz nossa compreensão e limita a abrangência da verdade. A falta de imaginação impede-nos de perceber o alcance da oração. Na visão de João, a oração tem um alcance glorioso. No capítulo 8, o apóstolo relata que quando o sétimo selo foi aberto, houve silêncio no céu por meia hora. Em sua visão, um anjo tomou um incensário, no qual foi colocado muito incenso para ser misturado com as orações dos santos. Estas orações, junto com a fumaça do incenso, subiram diante de Deus. Então, o anjo encheu-o com o fogo do altar e lançou-o sobre a terra; e houve trovões, vozes, relâmpagos e um terremoto.
A imagem é fantástica. João está exilado; pouco ou nada pode fazer pelos seus irmãos em Cristo, quanto mais pela humanidade. Não pode pregar, aconselhar, visitar ou confortar seus companheiros de fé perseguidos. No entanto, a oração coloca-o fora do seu exílio e o faz ver que ela tem um poder muito maior do que tudo aquilo que poderia fazer se não estivesse preso. Em sua visão, João começa mencionando um silêncio no céu. Eugene Peterson descreve este silêncio assim: "Vivemos num mundo barulhento. Todos têm uma mensagem urgente para nós. Telefone, TV, CD. Todos falam ao mesmo tempo e ninguém ouve ninguém. Mas Deus ouve. Ele não apenas fala conosco, mas nos ouve. Nós nunca saberemos se o que pensamos ou falamos está correto, até que alguém pare para nos ouvir. Todo o céu pára para ouvir. Todo lamento, toda ação de graças, todo protesto, todo louvor, toda angústia, toda dor, tudo é ouvido. Deus silencia os anciãos e os anjos. Nenhuma de nossas palavras é perdida".
O Senhor não apenas ouve com extrema atenção nossas orações, como as responde. A forma como João vê as orações sendo respondidas é numa imagem poderosa de trovões, vozes, relâmpagos e terremotos. As orações sobem até o altar e de lá retornam à terra com extraordinário poder, que é anunciado pelos anjos que tocam suas trombetas, anunciando os flagelos, que são as ações de Deus na história, julgando o pecado da humanidade.
Se João orasse apenas a partir de conceitos sistemáticos, provavelmente não compreenderia a extensão das orações dos santos. Mas ele ora com a imaginação e vê o que Deus faz quando a Igreja intercede. Precisamos deixar nossa mente ser invadida e dominada pelas imagens alimentadas pela adoração. Precisamos contemplar um Deus glorioso que reina com poder e justiça. Precisamos aprender a considerar os lírios do campo, a contemplar as aves do céu, a observar o pastor e as ovelhas no campo, a reconhecer o silêncio no céu e deixar nossa mente ser inundada com a majestade e grandeza de Deus. Assim, nossa experiência de oração será prazerosa e transformadora.
Pr. Ricardo Barbosa de Souza.