A OBRA AINDA NÃO SE COMPLETOU

    

    Certa vez, vi um adesivo no vidro traseiro de um carro com estes dizeres: "Paciência, Deus ainda não terminou sua obra em mim". Não me lembro se estava ou não irritado no trânsito naquele dia. Possivelmente estava, porque aqueles dizeres chamaram minha atenção e me fizeram ver o quanto minha impaciência para com o ser humano é desproporcional à paciência que espero que tenham para comigo. Mas, sobretudo, o adesivo chamou minha atenção para o processo lento e paciente com que Deus lida com nossas limitações e ambigüidades.

 

    Deus, pacientemente, nos salva, redime e transforma. É um processo lento. Envolve nossas resistências, defesas, medos e incertezas. Queremos crescer, amadurecer, mas temos medo de dar um passo em direção àquilo que não conhecemos, de nos entregarmos nas mãos de Deus sem saber exatamente o que pretende fazer de nós. Tememos renunciar àquilo que nos parece tão seguro e confortável - como os hebreus que, diante dos riscos do novo, desejaram voltar para o Egito. A escravidão é mais segura do que a liberdade. No entanto, Deus segue pacientemente nos conduzindo para a terra da promessa, nos levantando quando caímos, dando força quando nosso vigor acaba, nos corrigindo quando erramos e tratando de nossas feridas quando nos machucamos.

 

    Mas nós somos impacientes. Não suportamos as falhas, cobramos eficiência, criticamos a incompetência e condenamos o erro. O crescimento do outro, para nós, pouco importa. O processo lento e complexo do amadurecimento humano não nos interessa. Somos excessivamente pragmáticos e funcionais em nossos relacionamentos. Precisamos da paciência de Deus e dos outros, mas somos intolerantes. Este descompasso entre a paciência divina e nossa impaciência nos torna pessoas desatenciosas para com aquilo que a graça de Deus está construindo na vida do próximo e na nossa. A vida não é constituída de saltos, mas de passos, na maioria das vezes vagarosos.

 

    A impaciência tem destruído famílias e comunidades, impedido que cônjuges, pais, filhos, irmãos e irmãs vejam aquilo que Deus está fazendo pacientemente na vida do outro. Somos pais impacientes com os filhos, com seus conflitos, sua demora em aprender, suas perguntas embaraçosas, seus gostos duvidosos, seus desejos confusos e hábitos atrapalhados. Somos impacientes com o cônjuge, com suas crises emocionais, frustração profissional, imaturidade espiritual e incapacidade de ser atencioso. Também somos impacientes com nossos pais, com sua dificuldade de compreender, aceitar, ouvir e mudar. E somos impacientes com nossos irmãos e irmãs em sua caminhada de fé, quanto às diferenças teológicas e ideológicas, nas crises existenciais e nos conflitos relacionais.

 

    Se olharmos para a história dos nossos filhos, cônjuge, pais e amigos, vamos perceber que ao longo dos anos vividos houve mudanças, crescimento e transformações; mas num dado momento, ignoramos tudo e somos tomados por uma pressa suicida. Conheço alguns casais que, anos depois de uma separação trágica, reconhecem que se tivessem tido um pouco de paciência, um pouco mais de atenção e cuidado, teriam superado as dificuldades do momento e estariam hoje provando de um relacionamento saudável, maduro e bonito. No entanto, a pressa, a afoiteza egoísta e desumana, fizeram precipitar uma história, abortar um processo e destruir uma esperança.

 

    A maioria dos nossos juízos são prematuros. Nossas avaliações não conseguem ir além de uma visão simplista e temporal. Com facilidade, colocamo-nos como modelo e paradigma sobre a vida dos outros e os classificamos a partir dos critérios que definimos para nós mesmos. Somos cegos para as particularidades e singularidades de cada um. Como resultado de tudo isso, tornamo-nos imediatistas e exigentes, ignorando a natureza única de cada pessoa e o que Deus está fazendo, pacientemente, na vida e na história daqueles que amamos.

 

    Como pastor, em minha limitada experiência, se pudesse traduzir a angústia e aflição de adolescentes, jovens, cônjuges e amigos com quem tenho convivido e escutado em todos estes anos, diria que o que mais desejam é alguém que os ame de forma que sejam compreendidos. De alguém que lhes dê atenção, que pare para ouvir suas histórias, que se preocupe com eles, e não em defender idéias, conceitos e instituições. Alguém que lhes estenda a mão quando caírem, que não os condene precipitadamente e que os trate com humanidade e dignidade.

 

    Paciência é uma virtude divina, um fruto do Espírito absolutamente indispensável na experiência espiritual pessoal e comunitária. É ela que nos possibilita caminhar sem sobressaltos, provar a graça de Deus sem o medo tão comum da rejeição e exclusão. Precisamos dela em nossas famílias e igrejas, principalmente num tempo em que a pressa, a impessoalidade e a cultura do descartável são tão intensas e desumanas. É por isso que Paulo, escrevendo aos filipenses, afirma: "Aquele que começou a boa obra em vós, há de completá-la até o dia de Cristo Jesus". A ação de Deus sobre nossas vidas é pessoal e tem um percurso próprio. Cabe a nós, corpo de Cristo, acolher com paciência uns aos outros e deixar Deus completar a sua obra.

 

    "Paciência! Deus ainda não terminou sua obra em mim". Talvez seria bom colocarmos um adesivo destes em cada um de nós. Seria bom que os pais fossem lembrados disto toda vez que a atitude e reação dos seus filhos não corresponderem àquilo que esperam deles. Que os cônjuges também reconhecessem isto toda vez que o marido ou esposa não correspondessem à expectativa . Que a igreja levasse isto bem a sério, toda vez que olhasse para o lado e visse no outro uma obra inacabada. Que considerasse esta realidade na vida dos seus líderes e pastores. Sejamos pacientes: Deus, com sua infinita misericórdia, continua trabalhando.

    Pr. Ricardo Barbosa de Souza