VIVER SEM SONHAR, NÃO É VIVER

 

    Terminamos um século confuso, e ao mesmo tempo empolgante, tenso e ao mesmo tempo divertido, violento e bonito. Na verdade, ele não começa no Reveillon de 1900 para 1901, este século começou em 1917 quando a Revolução Russa é finalmente vitoriosa. Naquele alvorecer do século XX o mundo vivia sob a bandeira da modernidade.

    A modernidade, mais do que um período histórico, era uma mentalidade. Uma mentalidade que nasceu de uma confluência de fatores históricos. A modernidade se adensava desde alguns séculos antes. Quando Nicolau Copérnico, rompia com a visão científica de que o universo era geocêntrico. Ele propunha que o universo fosse heliocêntrico. Seu arrojo abria caminho para que Galileu desse um passo ainda mais ousado, o universo nem era geocêntrico, sequer heliocêntrico. Tanto a terra como o sol não passavam de pequenos ciscos em um cosmo vastíssimo com bilhões de estrelas. Sua coragem de romper com esse paradigma científico era imensa pois a tutela do labor científico ainda era do poder religioso. Fazia-se ciência com a chancela do clero. Mas a partir de Copérnico e Galileu, a igreja perde seu controle sobre o conhecimento científico.

    Nesse mesmo tempo histórico, o mundo passaria de uma economia feudal para o modelo do capitalismo. O mundo pré-moderno se estratificara com a aristocracia, o clero e os miseráveis. A miséria era glorificada e as virtudes de ser pobre compensadas com o céu. Não havia possibilidade de ascender socialmente. Lucros e juros soavam como palavras feias. Mas com o advento dos grandes navegadores e dos mercadores que singravam os mares trazendo iguarias do oriente, possibilitam com o surgimento dos burgueses, uma classe de ricos que ascendia das camadas mais pobres. A cosmovisão católica que combatia o lucro e os juros ruía por terra.

    Quando Maquiavel escreveu o Príncipe, sopraram novos ventos na política. O conceito de estado tutelado pelo poder religioso era um paradigma intocado. Mas, cansados de um sistema promíscuo em que não se sabia corretamente até onde ia o poder do rei e quais eram os limites do poder papal, cidadãos europeus perceberam que um novo modelo se esboçava. O do estado laico.

    Filosoficamente começam aspirações para que renascessem os conceitos dos pensadores gregos. Que o pensar também não fosse tutelado pelo clero. E, com René Descartes e seu Cogito ergo sum.: Penso, logo existo. Acontecia uma nova mudança. Se na pré-modernidade o essencial era: Creio, logo existo. Agora era: Penso.

    Foi nesse caldeirão de mudanças que um monge agostiniano, adensava o processo da modernidade também na religião. Martinho Lutero invocava o direito de pensar as Escrituras livremente. Cada pessoa seria dona de seus raciocínios. Ele negava à igreja o direito de conduzir e manipular a interpretação; induzir a compreensão e anúncio do evangelho. A Reforma Protestante do século XVI representou o anseio da modernidade, inclusive na religião.

    Todas essas mudanças levarão a Modernidade a viver o seu apogeu entre os séculos XVII e XIX.

    As mudanças eram visíveis, nítidas.
    O ser humano passava a ser o centro do universo. Quando Rousseau elaborou seus conceitos filosóficos sobre o bom selvagem, ele não apenas rompia com o cristianismo agostiniano de que somos por natureza maus. Ele mostrava filosoficamente que a preocupação da modernidade centrava-se no bem estar de homens e mulheres.

    Assim, a modernidade vive seu apogeu no Iluminismo. A produção artística não era mais voltada para retratar a beleza do criador, mas a excelência do ser humano. Prevalecia na literatura e nas artes não mais os contos e as biografias dos santos, mas as tragédias de Shakespeare. O belo era almejado desde os estudos sobre as proporções do corpo humano. A grandeza de Davi, retratado por Michelangelo, mostrava a altíssima estima que se tinha do ser humano.

    Na política respirava-se uma crescente impaciência com o sistema monárquico que só premiava a aristocracia. Na revolução francesa, nascia um novo paradigma: a República com os ideais de Liberdade, fraternidade e igualdade.

    A ciência produzia freneticamente querendo melhorar as condições de vida do ser humano. A revolução industrial, os grandes inventos, e finalmente as linhas de produção prometiam que finalmente poderíamos viver em um mundo melhor.

    A filosofia, de Voltaire, Rousseau, Hegel, o positivismo de Augusto Comte e finalmente Marx, acreditavam que conseguiriam, através da educação das massas, do progresso, da ordem e de um sistema inteiramente justo, autenticamente solidário e humano, viabilizar aqui na terra o sonhos da utopia de Thomas Moore.

    O próprio cristianismo passou a usar o instrumental da modernidade para compreender os textos sagrados. Nasceram os hermeneutas que querendo demonstrar que se não demitologizarmos (essa é uma expressão de Bultman) os textos, não haveria pontes entre a religião e a modernidade. A Alta crítica, era a vertente teológica alemã que analisava os textos bíblicos com o mesmo rigor científico da análise dos textos históricos. Inaugurava-se a teologia do não, da negação.

    A América era o Novo Mundo, lá os peregrinos chegaram com o sonho de torná-lo no Eldorado. O mundo todo pulsava com um otimismo enorme.

    Com a vitória do bolchevistas soviéticos e com o triunfo da revolução russa nascia o primeiro experimento concreto de viabilização dos ideais de Hegel, Marx. Na Rússia, prometia-se, uma nação sem estado; lá nasceria o “novo homem” da filosofia de Rousseau. Buscava-se que os ricos dessem de acordo com a sua abundância e os pobres recebessem de acordo com a sua necessidade.

    Assim, entramos o século XX. Cheios de otimismo. Este seria o século do progresso, do amor. A ciência abriria fronteiras fantásticas, as massas seriam educadas, o conhecimento universal acabaria as barreiras entre nações.

    E Deus? Extinguindo-se a escuridão e com a luz elétrica conseguiríamos, educando-se as massas libertar as multidões do misticismo, das superstições. Já não haveria necessidade mais de Deus. Aquele Deus das religiões oficiais, seria descartado. Nascendo o super homem que Nietsche sonhava, não haverá mais necessidade de Deus. O Louco, protagonista da filosofia niilista de Nietsche entrou o século XX gritando: “Deus está morto. Nós o matamos.” Os próprios teólogos alemães chegaram a elaborar a teologia da morte de Deus.

    Albert Camus afirmou que:
     “Contrariamente ao que pensam alguns de seus críticos cristãos, Nietzsche não medito o projeto de matar Deus. Ele o encontrou morto na alma de seu tempo.” Albert Camus.


    Mas, a modernidade sofreu o seu primeiro duro golpe com a Primeira Guerra Mundial, que na verdade não foi tão mundial assim. Foi na verdade uma guerra muito mais européia. Percebeu-se ali, quão estúpidos somos. A ciência, que deveria ter produzido para o bem estar, agora fabricava tanques de guerra, utilizava aviões que soltavam bombas. Pela primeira vez, usou-se a guerra química. Foi nessa guerra que usou-se o gás de mostarda, para matar.

    O processo de criação da União Soviética também não foi incruento. Todo aquele sonho de um mundo bonito, justo. Ruía já no nascedouro. Para se viabilizar no poder, Stalin precisou de fazer expurgos. Milhões foram mortos, criou-se uma truculenta polícia política, exilavam-se cidadãos russos em clínicas psiquiátricas e nos famosos Gulags, nos desolados desertos da Sibéria.

    Não ouviram o alerta de Engels no final de sua vida:
    “As pessoas que se vangloriam de terem feito uma revolução sempre acabam percebendo no dia seguinte que elas não tinham a menor idéia do que estavam fazendo, e que a revolução feito em nada se parece com aquela que elas gostariam de ter feito.”

    Eduardo Giannetti assim conclui:
    “A revolução feita em nome da racionalidade econômica e do fim do Estado enquanto forma de dominação política redundou no seu contrário: um grotesco hospício econômico comandado por uma das mais brutais máquinas de repressão e opressão política da era moderna.”

    Terminada a Primeira Guerra Mundial, a Alemanha em ruínas com uma inflação tão alta, que não havia tempo para se imprimir os dois lados de uma cédula, porque o dinheiro perdia o seu valor. Enfim, toda a Europa perplexa via o sonho do paraíso do Novo Mundo ruir. O crash da bolsa de Nova Iorque em 1929, a Grande Depressão econômica que se seguiu, também jogavam dúvidas sobre o modelo capitalista. Entretanto, tanto os Estados Unidos, como a Alemanha elegiam líderes de primeira grandeza e que prometiam tirar seus patrícios do pantanal em que se encontravam. Nos Estados Unidos foi Franklin Delano Roosevelt e na Alemanha foi Adolf Hitler.

    Bastaram alguns anos e os dois se mostraram tremendamente eficientes na solução do impasse de seus países. A modernidade ganhava come eles um novo fôlego. A Alemanha esteticamente bonita, limpa e saneada era uma potência temida na segunda parte da década de trinta. Os Estados Unidos, com o New Deal de Roosevelt construía estradas e estabelecia a infra estrutura para o maior parque industrial do planeta.

    Em pouco tempo, entretanto, Hitler mostrou que sua eficiência era patológica. Por detrás do sonho de transformar a Alemanha em um reino milenar, estava um facínora. Megalomaníaco, implacável, racista e pervertido sexual, começou a anexar os países da Europa. Intencionava transformar a Alemanha em um reino universal. Seu militarismo parecia sem limites. Foi um efeito dominó, Polônia, Holanda, França todos capitularam. Fez um pacto de não agressão com a União Soviética, embora odiasse os comunistas. O resto a própria história conta. Aliou-se com a Itália e o Japão formando os países do eixo. Traiu a Stalin, invadindo a Rússia. Começou a bombardear a Inglaterra. Seu destino selou-se, quando os japoneses cometeram o maior de todos os deslizes, bombardeando Pearl Harbor, Roosevelt tinha agora o álibi que precisava para entrar na guerra.

    Quando chegaram os Yankees, Hitler ganhou um inimigo mortal, o parque industrial americano. A Alemanha não conseguia vencer a produção das indústrias americanas que fabricavam freneticamente aviões, tanques, metralhadoras. Supriam os ingleses, os russos e todos os países aliados.

    Hitler,sabendo que estava com a guerra perdida, deu velocidade ao que se chamava na Alemanha de Solução Final. O extermínio sistemático dos judeus.

    Quando finalmente a Europa foi liberada e os russos chegaram em Berlin, 6 milhões de judeus haviam sido mortos em campos de concentração.

    NO pacífico, os japoneses teimavam em não se render. E Hary Truman autoriza que uma bomba seja usada sobre duas cidades. Hiroshima e Nagasaki sabem-se hoje que essas duas cidades foram escolhidas porque estavam intactas e se queria saber qual era o real poder destrutivo das bombas.

    A guerra terminou e o mundo respirou aliviado. Embora estivéssemos sobre os escombros da Europa, ainda cheirando a fumaça dos campos de extermínio, e apavorados com a bomba atômica. Finalmente podemos recomeçar o sonho de um mundo melhor. Se agora sabemos que somos monstros de iniqüidade, (nesse tempo o existencialismo cru de Sartre e Camus são unanimidade na Europa):

    “No auge do irracional, o homem, em sua terra que ele sabe ser de agora em diante solitária, vai juntar-se aos crimes da razão a caminho do império dos homens.             Ao ‘eu me revolto, logo existimos’, ele acrescenta, tendo em mente prodigiosos desígnios e a própria morte da revolta: ‘E estamos sós.’”


    Mas o fim da II Guerra Mundial deixa uma réstia de luz da modernidade ainda brilhando. Prometia-se que ainda era possível sonhar com esse novo mundo.

    As Nações se uniram com uma nova organização chamada de Nações Unidas. Teríamos agora a penicilina, a propulsão a jato, e a energia atômica. Essa energia não é só destrutiva, nos prometiam. Ela poderia ser domesticada e logo teríamos energia elétrica gratuita. Propagandeava-se: Descobrimos o meio de produzir energia tão barata que as indústrias não terão mais que computar energia como despesa na contabilidade de custos.

    Viveu-se nos Estados Unidos, na Europa o que se chamava de “Anos dourados”. As mulheres agora também trabalhavam. O poder aquisitivo das famílias praticamente dobrou e o parque industrial que produzia armamentos, continuava num ritmo frenético.

    Mas esse sonho de utopia sofreu os primeiros golpes mortais na década de 60. Ergueu-se o muro em Berlim e novamente a humanidade acordou com o pesadelo de uma guerra que ameaçava a destruição total da raça humana. Chamava-se de Guerra Fria. Em um impasse em Cuba, americanos e soviéticos enfrentaram-se, olho no olho, esperando quem piscava primeiro. Sabia-se que tanto americanos como russos possuíam potencial atômico para acabar com o mundo.

    Sentia-se o calafrio de um inverno milenar da radiação, quando anunciou-se experimentos com a bomba de hidrogênio que para ser detonada necessitava da espoleta de uma bomba atômica. Seu poder destruidor, milhares de vezes maior do que a bomba usada no Japão, podia aniquilar-nos completamente.

    O jovens que foram criados com a opulência dos anos dourados, revoltaram-se contra aquilo tudo. O movimento hippie nasceu dizendo basicamente o seguinte: o legado da modernidade fede.

    Aturdidos, os americanos choram o assassinato de John Kennedy. Sem entender o porquê os ingleses viram os seus jovens revoltarem-se contra a monarquia, os costumes, e a religião racional e lógica dos protestantes europeus. Os hippies elegeram os seus reis, eles eram um conjunto de rock: Os Beatles. A moda era escapar da realidade tomando LSD, injetando heroína nas veias e fumando haxixe.

    Em 1968, dizem alguns, começa o fim da modernidade. Aquele foi um ano totalmente atípico, singular. Na Tchecoslováquia houve o primeiro levante contra o poder comunista, Mostrava-se para o mundo que a felicidade comunista era falsa. Na França, os estudantes se revoltaram contra o sistema de ensino e foram para as ruas. Paris se transformou numa praça de guerra. Os Estados Unidos, literalmente atolados no Viet-Nam, estavam divididos. Parecia que uma nova guerra da Secessão explodiria. Os jovens estavam revoltados. Em 1968 foram assassinados, Martin Luther King Jr e Robert Kennedy.

    A América Latina foi dominada por regimes militares truculentos. Pinochet governava com um regime perverso no Chile. Viveu-se ao redor do mundo um tempo muito cinzento. A Grécia, Portugal, Espanha também sofriam com ditadores.

    A África libertava-se do colonialismo europeu mas era incapaz de se articular. Respirava-se violência, perplexidade, medo. Essas são as marcas dos anos 70.

    Os anos 80 se iniciaram com alguns líderes marcando essa década. Ronald Reagan nos Estados Unidos, Margareth Thatcher na Inglaterra, Gorbatchov na União Soviética, e Khoumeini no Irã. Eles jogaram as última pás de cal no sonho da modernidade.

    Reagan e Thatcher na Inglaterra falavam que a economia sofria porque a presença do estado na economia é ruim. O estado é perdulário, lento e sua burocracia, perniciosa. Disseram que ele precisa ser enxuto. Quanto menos a presença do estado melhor. Gorbatchov, na União pregava a Perestroika e a Glasnost. Eram dois programas necessários para viabilizar o comunismo. Para o último dos comunistas , o país precisava ser transparente. Essa “transparência” deveria significar, a humildade de que a União Soviética estava falida. Glasnost era o jargão que buscava uma re-estruturação. Enquanto isso, o Khoumeini conseguia encabeçar uma revolução que buscava demonstrar que o projeto de modernização do Iran com o Xá Reza Pahlevi era, na verdade, um embuste. O Irã precisava voltar à pre-modernidade islâmica. A teocracia triunfava sobre a democracia. O clericalismo vencia o laicismo. A fé voltava a tutelar a vida das pessoas.

    O Muro de Berlim caiu em 1989. Os protagonistas desta nova revolução foram o movimento do sindicato de Solidariedade na Polônia, os cristãos na Romênia, Vaclav Havel na Checoslováquia, e Karol Woytila no Vaticano. Por cause de suas vidas, a União Soviética perdeu o seu domínio sobre a Europa Oriental e acabou se dissolvendo em 1991.

    O mundo também se revoltava contra as propostas científicas do progresso. Chegamos à conclusão que o planeta terra não conseguia reciclar tantos gases, tanto lixo, tanta devastação. Se a modernidade preconizava o progresso contínuo, agora pedíamos que não houvesse tanto progresso.

    Sem a modernidade e sem um projeto para o futuro, ficamos no meio do caminho.

    Qual o modelo político que desejamos? Os nossos políticos, nossas estruturas democráticas não são tão democráticas assim.
    Qual o modelo econômico? O capitalismo é frágil, perverso (haja vista, a África literalmente jogada à moscas). Os excluídos do neo-liberalismo.
    Que tipo de ser humano nós somos? Negociamos armas e faturamos com a morte, não conseguimos acabar com os cartéis de drogas, não conseguimos educar as massas para a felicidade.
    Que tipo de religiosidade desejamos? A lógica, racionalmente compreensiva? A oriental? A esotérica?
    A razão perdeu o seu domínio.

    O certo e o errado deixaram de ter qualquer referencial externo.
    O belo e o feio não têm sentido.

    Começamos o século com o apogeu da modernidade, terminaremos com o nascimento da pós-modernidade.

    Se a Modernidade foi uma época da lógica e do método, a pós é marcada pela ambigüidade e por contradições.

    Por um lado, gera muita esperança mas por outro gera pavor.

    Se por um lado este foi o século de Einstein, Flemming, Sabin, também foi de Menguele.
    Se gerou um Churchill, um também gerou Kadaffi, Stalin e Hitler.
    Se por um lado valorizou Ghandi, Martin Luther King, e Mandela, também valorizou Mussolini, Pinochet.
    Se por um lado teve um Pavarotti e um Bernstein também teve uma Janis Joplin, uma Madona, um Michael Jackson.
    Se por um lado tem jato, internet, e tomografia computadorizada, suicídio assistido, e cartéis de cocaína.
    Foi o século de Madre Teresa de Calcutá, Billy Graham, C. S Lewis; mas também de Jim Jones, Maharaji Iogui e do Rev. Moon.

    Vivemos hoje na estreita brecha entre a esperança e o desespero.
    Não sabemos se vale a pena lutar pelo futuro, ou se é melhor cada qual cuidar de se divertir o máximo possível.

    O tempo que estamos vivendo não é mais o tempo de Sartre mas de Paulo Coelho.
    Não é mais o tempo de estadistas, como Lenin, Roosevelt, Churchill, Juscelino, mas de Yeltsin, Clinton.
    A Alta Crítica perdeu espaço, ganharam os carismáticos.
    O fundamentalismo evangélico perdeu relevância, ganhou a igreja Universal.
    Leonardo Boff parou de defender os pobres e agora defende a natureza.

    Na modernidade a filosofia era primordialmente otimista, na pós é cínica.
    Na modernidade o estado laico seria árbitro das injustiças humanas, na pós ele deve ser enxugado por que é perdulário, autoritário, burocrático e corrompido.
    Na modernidade o deicídio era a vertente teológica seriamente discutida nas Universidades alemãs que, através da Alta Crítica, questionavam a integridade dos textos bíblicos e a possibilidade de um Deus objetivamente verdadeiro. Na pós modernidade discute-se o macro ecumenismo.
    Na modernidade, a razão, o método, a o experimento empírico desfaria a ignorância das multidões e levaria a um mundo sem as superstições místicas da Idade Média que ainda escravizavam as multidões. Na pós modernidade abre-se o caminho para o saber intuitivo, para a inteligência emocional, para verdades não racionais.
    Na modernidade a tecnociência abriria estradas para um mundo melhor, na pós ela é vilã do ambiente.

    Entre a modernidade e a pós modernidade há duas guerras mundiais e mais de cem milhões de mortos. Há Stalin, Hitler, Idi Amin, Pol Pot, Auschwitz e Ruanda. Há Hiroshima e Nagasaki. Há Bangladesh, Índia, Vale do Inhamuns. Há o Tietê, Chernobyl, e o buraco de Ozônio.

    A angústia do homem pós-moderno pode bem ser ilustrada na vida daquele personagem que fazia análise e vivia um dilema todas as vezes que ia para a consulta com seu analista. Se eu chegar adiantado ele vai pensar que estou ansioso demais, se eu chegar na hora sou um disciplinado compulsivo e se chegar atrasado estou fugindo dos meus problemas.

    86% da classe média dos países ocidentais sofre de stress crônico.

    Por outro lado ainda há lágrimas nos casamentos, ainda há sorriso nas crianças, ainda há o gorjeio dos pássaros, ainda há poetas fazendo poesia, ainda há evangelistas na esquina do Hyde Park na Inglaterra, igrejas ainda estão sendo plantadas no Rio de Janeiro, ainda se ouve os tamborins e pandeiros nas igrejas do México. E pelas madrugadas ainda se ouve o clamor dos crentes em cultos de vigília nas igrejas evangélicas.

    Em uma época como essas você e eu fomos chamados. Na confusão pós-moderna que não sabe discernir bem qual a diferença entre o belo e o feio, entre a verdade e a mentira, entre o vício e a virtude. Fomos chamados para pregar o evangelho.

    Houve um período assim na história de Israel. De acordo com a profecia dada ao rei Ezequias, muitos anos antes (Isaías 39.6-7) o reino de Judá seria invadido por Nabucodonosor. A sistemática desobediência do país, a deterioração da moral pública, o enfraquecimento espiritual do povo, tornou essa profecia irreversível. A Babilônia finalmente invadiu a terra e com um programa bem elaborado trabalhou para quebrar a espinha dorsal de Israel. Primeiro, promoveu um êxodo étnico. Esvaziou as cidades. Depois, selecionou os mais capazes para serem re programados com lavagem cerebral, castrou jovens e vendeu mocinhas para serem concubinas na Babilônia. O templo, orgulho dos judeus foi destruído e os utensílios sagrados de-sacralizados.

    Jeremias profetizou que este período de desolação seria de 70 anos – Jeremias 25.11. Ao terminar este tempo, os persas ganharam a guerra anexaram os Medos, conquistaram a Babilônia.

    Um dos primeiros atos do novo governante, Ciro, depois da captura da Babilônia, foi passar um edito autorizando os judeus exilados a retornarem à sua própria terra.

    Esdras e Neemias trabalharam intensamente para construir as muralhas e o templo. Os vasos roubados do templo por Nabucodonosor foram devolvidos. Depois deste recomeço a construção do templo permaneceu desolada por 15 anos.

    Havia uma espécie de apatia. Tiveram uma depressão pós-parto. As pessoas se voltaram para seus empreendimentos pessoais, largaram os seus ideais, perderam o elã. Cada qual voltou-se para os seus próprios projetos.

    A filosofia era mais ou menos a de hoje:

    Se que não cuidar do que é meu, quem cuida?
    Melhor covarde vivo, que herói morto.
    Primeiro o meu, depois o teu.

    Nessas circunstâncias Ageu profetizou. Interessante que por 4 vezes veio a ele a voz de Deus.
Capítulo 1.1.       Capítulo 2.1        Capítulo 2.10.    Capítulo 2.20.

    A primeira palavra que Deus deu a Ageu foi uma denúncia contra o egoísmo, a apatia de sua geração – 1.1 –11.

    Quando há uma desilusão, quando se é obrigado a conviver com a frustração adoece-se:

    “A Esperança que se adia faz adoecer o coração, mas o desejo cumprido é árvore da vida.” – Prov. 13.12.

    Uma das maiores tragédias de nossos dias é a falência dos sonhos e dos ideais. A tarefa de reconstruir muitas vezes parece tão grande tão difícil que somos jogados numa espécie de torpor espiritual, existencial.

    Sonhar para quê? O negócio e tentar fazer o meu pé de meia.

    Eu soube que no período de altíssima inflação na Argentina, alguns sociólogos estudaram os efeitos da alta inflação sobre o povo. A constatação foi sombria: quanto mais alta subia a inflação mais as pessoas se mostravam duras, egoístas, menor era a disposição de partilhar.

    Eu soube que um dos muros de São Paulo foi pichado com a seguinte frase:

    Estou cansado de ações, preciso de promessas.

    O cinismo campeia, o deboche e a superficialidade estão em voga.

    Christopher Lasch, escreveu um livro que foi catecismo nas Universidades de São Paulo: O Mínimo Eu. Em que ele defende que o individualismo antes de ser um adoecimento de nossa natureza ele é um mecanismo de defesa.

    O mundo, e particularmente, o Brasil é um país que tira nossas energias para fins improdutivos: não ser assaltado, não ser furtado na conta de luz, não perder o emprego, não comprar na Encol, não depositar no Econômico, não se mudar para o Palace I, não comprar remédio falsificado, vencer a guerra do trânsito, tolerar as longas filas dos bancos, dos postos de saúde, preparar-se para passar uma velhice pobre.

    Para se defender disso tudo, nos voltamos para o imediatismo. Vivemos a geração das grifes, dos Status Symbols (Bolsas Luis Vinton, carros BMW, condomínios em Miami, grifes de roupas).

    Somos a geração de brinquedos caros, mas de alma vazia, sem causas para defender, sem qualquer projeto que valha a pena morrer por ele.

    Interessante que os hippies dos anos 60 se transformaram nos yuppies dos anos 80.
    O conceito religioso, deixou de ser uma verdade que abracei ou uma experiência mística arrebatadora que me encantou, o conceito religioso hoje é utilitário. Instrumentado.

    Quando se fala em apologética cristã, não se deve pensar em defender a fé com os mesmos pressupostos da modernidade. Nossa luta hoje não consiste em defender a verdade do cristianismo sob o ponto de vista do saber cartesiano, mas defender a fé sob o ponto de vista de uma geração que já não tem sonhos.

    O hedonismo é a filosofia portátil. Vive um imediatismo patológico. Só o presente conta. Homens e mulheres da pós modernidade vive sem as tradições do passado e sem um projeto do futuro. A pós modernidade é o túmulo dos modelos cristãos do passado. As pessoas procuram credos “menos coletivos”, como afirmou Jair Ferreira dos Santos, “mais personalizados (meditações, zen-budismo, yoga, esoterismo, astrologia).

    “É que o homem pós-moderno não é religiosos, é psicológico. Pensa mais na expansão da mente que na salvação da alma. Há toda uma cultura ‘psi’ fazendo a cabeça da moçada: psicanálise, psicodrama, gestalt, bioenergética, biodança, grio prima e por aí vai. Para não falar no dilúvio de bolinhas alucinógenos que rola. Nisso tudo, o bom é que a cultura religiosa era culpabilizante, enquanto a psi é libertadora. Ao sujeito pós-moderno interessa um ego sem fronteiras, não uma consciência vigilante.” Jair Ferreira dos Santos.

    A segunda vez que a voz de Deus vem ao profeta Ageu, conseqüência da primeira é uma convocação que o povo volte a sonhar, tenha esperança. Volte a lutar, levante novamente suas flâmulas.

    Para terem esperança ele convida o povo a três olhares.
    1. Um olhar em perspectiva – v. 3 – Voltem a acreditar que a glória do segundo templo será maior do que a glória do primeiro.

    Esperança de acreditar que ainda vale a penas lutar por um futuro melhor.

    Creio que esperança é acreditar que o futuro ainda pode ser melhor. Vivemos em uma geração sem olhar para horizontes.

    “Pertenço a uma geração que herdou a descrença na fé cristã e que criou para si uma descrença em todas as outras fés. Os nossos pais tinham ainda o impulso credor, que transferiam do cristianismo para outras formas de ilusão. Uns eram entusiastas da igualdade social, outros eram enamorados só da beleza, outros tinham a fé na ciência e nos seus proveitos, e havia outros que, mais cristãos ainda, iam buscar a Orientes e Ocidentes outras formas religiosas, com que entretivessem a consciência, sem elas oca, de meramente viver. Tudo isso nós perdemos, de todas essas consolações nascemos órfãos.” F. Pessoa, 289 –Desassossego.

    2. Um olhar retrospectivo – v. 5. – Olhem para trás. A sua aliança é inquebrantável.

    Aldous Huxley descreveu-se da seguinte maneira:

    “Nasci vagando entre dois mundos, um morto e outro incapaz de fazer-se nascer, eu consegui de maneira curiosa piorar ainda mais os dois.

    Em Náusea, Sartre, encarnando o protagonista Roquetim, afirma:

    “Estou sozinho, a maioria das pessoas voltaram para seus lares; estão lendo o jornal da tarde e ouvindo o rádio. O domingo que termina deixou-lhes um gosto de cinzas e seu pensamento se volta para segunda-feira. Mas para mim não existem segunda-feira nem domingo: existem dias que se atropelam desordenadamente...Sartre, Náusea, 87.

    3. Um olhar prospectivo – v.6-9 – Olhem para cima. Ele continua Deus.

    A terceira palavra que vem a palavra a Ageu, ele convoca o povo a uma reforma ética – capítulo 2.10-19.

    A pós modernidade nos chama a estudarmos o que significa ética. A nossa apologética passa por estudarmos o que significa dizer não, quando todos estão dizendo sim. Como podemos, como dizia

    A última vez que a palavra de Deus veio para Ageu, ele foi desafiado a encontrar o eixo histórico, seu nexo em Deus – 2.20-23.

    Ele chama o profeta a avisar ao governador de Judá, Zorobabel a nunca se esquecer que em última análise está no controle da história é o próprio Deus.

    Portanto, devemos nos envolver. O controle da história está nas mãos de Deus. Ele pra sempre governará.

 

    Pr. Ricardo Gondim.