PISTAS PARA QUEM DESEJA VIVER

 

    Como um riso espontâneo, vez por outra brota na gente o esforço para não deixar a vida encalhar no pântano do cinismo. Contemplamos a existência como um teatro de tragédias e comédias, com pessoas no elenco se esforçando para dar continuidade ao espetáculo. Do palco, ouve-se: “Sobreviver não basta, é preciso viver”. Todos querem aprender a viver.

    Viver é um constante esforço para armazenar momentos nos escaninhos da alma, ressuscitando o que se imaginou perdido no tempo. Alguns só percebem tardiamente que existir consiste em colecionar saudades. Viver é saber anular o fluir impiedoso daquela ampulheta que silenciosamente encobre tudo e todos de pó.        Recordar é viver.

    Viver é perceber nas réstias da revelação bíblica o dever de achar a própria essência. Todos, absolutamente todos, precisam tornar-se garimpeiros e caçadores de si. Neste mandado se aprende a ser humano. Desvendar a própria humanidade não implica uma exigência de se divinizar; ninguém precisa ser o que não pode.

    Viver é acordar todas as manhãs para uma nova ressurreição; e ressuscitar é se reinventar com lucidez em cada passo da trilha que conduz ao futuro. Quem aprende a viver sabe recriar-se sem a indiferença dos estóicos e sem a prepotência dos ateus. Diante de uma vida que nem sempre é lógica e justa, algumas vezes, precisa-se da coragem dos heróis gregos para que diante das tribulações as pessoas não recorram à máxima: “Comamos e bebamos porque amanhã morreremos”.

    Viver é reconhecer a inutilidade de cobiçar ser deus. O mal se universalizou porque, descontentes com uma vida singela, os homens vivem cobiçando a sorte dos deuses. Todos os dias, novos Ícaros tentam voar rumo ao sol com suas precárias asas, sem perceberem que a cera derreterá, as penas cairão e os heróis tombarão miseravelmente.

    Viver é cavar novas trincheiras para se defender de si quando chegar o dia do desencanto, em que se notará que o relógio de areia continuou escorrendo implacavelmente. A morte ceifa grandes e pequenos enquanto eles elaboram seus projetos de conquista de poder, glória e riqueza. Vivem os que acordam desse sonho mirabolante de ser donos do mundo. Quantos desistiram da vida porque seus arroubos juvenis passaram, os narcisos morreram e a vida se impôs cruamente.    Dói concluir que se combateram guerras erradas. Contudo, mesmo em meio ao cansaço e ao desânimo, persiste o desafio de revestir-se de coragem e prosseguir.

    Viver é insistir que não se pode viver sob a tirania de uma falsa onipotência; é descobrir que a vida é frágil e que a alma não sabe correr. Não se ganha o mundo deixando a alma para trás. Viver é batalhar para não permitir que vença o ativismo. É acatar o pedido dos espelhos, que imploram: “Pare, e ouça quando sua alma pede calma; leia o poema que comunica afetos; dê tempo para os relacionamentos; acorde para o seu próximo”.

    Viver é navegar em um barco de velas encardidas e, de longe, contemplar terra firme, consciente de que não existem portos seguros. As dunas brancas também sofrem com o vento. Toda firmeza é instável. Viver é saber que não há escolhas seguras e todas as decisões se ramificam num emaranhado de conseqüências que nem os mais capazes conseguiriam administrar. Nenhum credo, religião ou ideologia oferece âncoras seguras ou chão firme que garanta um porvir sem percalços. Do mar se reconhece que nenhum herói conseguiu gerenciar os desdobramentos de suas escolhas ou das decisões alheias. O maior desafio de quem singra pelo mar da vida é conseguir fugir do apelo de ancorar e viver sem riscos. As contingências e o imponderado tornam a vida fascinante.

    Viver é aprender a segurar o presente fugitivo. O passado já se foi e dele resta apenas sua memória; o futuro será sempre incerto. O único bem que todos possuem é o momento. Quem quer viver bem precisa saber valorizar o presente, que sempre se fragmenta e se esfarinha em cada segundo. Carpe Diem! Todo instante é sagrado.

    Viver é negar as futilidades que se impõem e entorpecem. A vida já perdeu seu valor para muitos porque, ao correrem atrás do sucesso, perderam o sentido da existência. Os grandes vencedores receberam suas coroas, esquecendo que a deusa da competência lhes exigiu como sacrifício que se imolassem os afetos, a solidariedade com os fracos e a própria sensibilidade.

    Viver é ousar sair para os arredores de si mesmo e solidarizar-se com o próximo, tornando-se vizinho da alegria e da dor. É saber chorar diante do colossal desastre em que se tornou a humanidade e celebrar os pequenos gestos de beleza de homens e mulheres. Só os filhos de Deus compreendem a convocação de viverem numa esfera bem maior do que o seu pequeno projeto individual, re-significando todos os eventos bons e ruins dentro de um projeto maior — o do reino de Deus.

    Por tempos acreditei que deveríamos preparar o ser humano para ir para o céu. Relendo os Evangelhos, percebi que Jesus se interessava mais em ensinar como viver na terra como uma antecipação da eternidade, e é por isso que hoje trabalho.

 

    Soli Deo Gloria.

 

    Ricardo Gondim