A CRUZ E A AUTO-ESTIMA

                                       

    Uma das grandes contribuições do cristianismo é a valorização da pessoa. Uma vez que Deus nos amou a ponto de mandar seu Filho para morrer por nós e, por meio dele, nos adotou como filhos e filhas amados, livrando-nos da escravidão do pecado e restaurando a dignidade da criação, somos levados a reconhecer que ninguém nos ama e valoriza mais do que Deus. Esta verdade, além de nos salvar, nos faz sentir bem e nos leva a dar valor a nós mesmos e a reconhecer o valor e dignidade do outro. A partir dela, podemos também concluir que ninguém se interessa mais pelo nosso bem estar, felicidade e realização do que Deus.

 

    O Evangelho é o ponto de partida para a afirmação da pessoa. É a revelação do Deus que nos conhece como ninguém jamais nos conheceu e nos ama como ninguém jamais nos amou. Não há auto-estima real e verdadeira que não leve em conta esta verdade bíblica. A bem da verdade, teologicamente falando, não existe uma auto-estima, alguém que se ama o suficiente para sentir-se plenamente realizado. O amor é um dom. Aprendemos a amar porque fomos amados primeiro. Todo amor tem sua fonte e origem em Deus. Não é difícil, portanto, concluir que a estima que temos por nós é fruto do imensurável amor com que Deus nos tem amado.

 

    Um elemento fundamental na compreensão cristã da auto-estima é o lugar que a cruz de Cristo ocupa na revelação. É ela que nos revela a exuberância do amor de Deus, que nos afirma e reconhece ao mesmo tempo em que desmascara o pecado e nos convida a negar a nós mesmos e a renunciar tudo quanto temos para seguir a Cristo. A cruz levanta o grande dilema sobre o significado moderno da auto-estima porque questiona todo modelo que nega a realidade do pecado, a necessidade de reconciliação com Deus e a plenitude da vida que emerge da redenção.

 

    A partir da cruz entendemos que a busca humana por uma estima real e verdadeira deve levar em conta dois movimentos: a afirmação e a negação. A cruz nos afirma porque reconhece nosso valor diante de Deus. Ela é a expressão maior do cuidado e da preocupação divina por nós. A cruz nos revela uma qualidade de amor, perdão e aceitação que nos dignifica e enobrece. Por outro lado, ela nos conduz à negação. Revela nosso pecado e culpa, desmascara a falsidade e a mentira e mostra nossa alienação para com Deus e o próximo. Estes dois movimentos são fundamentais para a construção de uma compreensão verdadeira sobre nós mesmos. Aqueles que só buscam a afirmação tornam-se egoístas e auto-suficientes, e aqueles que negam tudo perdem sua dignidade.

 

    O apóstolo Paulo, escrevendo aos filipenses, nos dá um testemunho da auto-estima a partir da vida redimida. Ele afirma: "Aprendi o segredo de viver contente em toda e qualquer situação, seja bem alimentado, seja com fome, tendo muito ou passando necessidade. Tudo posso naquele que me fortalece". A auto-estima cristã nunca é baseada na carreira profissional bem sucedida, na nobreza da herança familiar ou num estado de espírito positivo. Antes, ela é baseada somente e totalmente naquilo que Deus fez em Cristo por nós; é algo que Deus realiza por nós e não aquilo que tentamos conquistar sem ele.

 

    A partir da cruz, a afirmação ou negação, o ganhar ou perder, a necessidade ou a abundância, não são definidores da auto-estima ou da dignidade, mas o que somos em Cristo Jesus. A condição de filhos e filhas amados do Pai eterno, que a cruz conquistou a nosso favor, determina nosso novo estado. Neste contexto, a auto-estima não deve ser sustentada sob aquilo que pensamos a nosso respeito, nem mesmo sob aquilo que os outros pensam sobre nós, mas sob o que Deus pensa através da obra de Cristo na cruz por nós.

    O dilema da auto-estima no mundo moderno é intensificado pela agenda que a cultura que nos cerca impõe sobre nós. Temos sido constantemente intimidados por falsos conceitos de valor e reconhecimento que nos oprimem.

 

    Freqüentemente encontro pessoas cristãs com uma estima baixa, com um senso de valor inadequado, porque são prisioneiras do juízo que o mundo faz delas. Diante da tirania da propaganda, essas pessoas não se acham bonitas, inteligentes, bem sucedidas, reconhecidas ou amadas porque o modelo cultural é falso e impõe uma falsa compreensão de nós e do mundo.

    O visão de Isaías sobre Cristo nos ajuda a inverter tal juízo. Isaías declara que ele era "desprezado e rejeitado pelos homens, um homem de dores e experimentado no sofrimento. Como alguém de quem os homens escondem o rosto, foi desprezado, e nós não o tínhamos em estima". O mundo não deu a ele nenhum valor, não tinha por ele nenhuma estima - muito pelo contrário, o desprezou e rejeitou. Ele era o fraco e o humilhado, mas no final, o mundo foi julgado por ele e não ele pelo mundo.

 

    O valor que Jesus tinha de si mesmo não foi determinado pela cultura que o cercava, nem mesmo pela falta de reconhecimento ou pelas falsas expectativas que as pessoas tinham dele. Seu valor pessoal esteve sempre sustentado pelo amor com que era amado pelo Pai.

 

    Uma compreensão adequada da cruz de Cristo e sua implicação sobre a vida e o discipulado cristão é o ponto de partida para a construção de uma estima real e verdadeira. Tomar a cruz e seguir a Cristo dia após dia, negando o pecado, renunciando nossas ambições mesquinhas, amando a Deus de coração e alma, doando-nos ao próximo com compaixão e solidariedade, nos levará a amar corretamente a nós mesmos. O reconhecimento de quem somos e a valorização da pessoa passam, inevitavelmente, pelo Calvário.

 

    Pr. Ricardo Barbosa de Souza