COISAS ABOMINÁVEIS E LOUVÁVEIS

 

    Na década de sessenta, Paulo Mendes Campos escreveu uma crônica sobre “sobre coisas abomináveis” na vida moderna, que ele considerava “crimes contra a criatura humana”. Revendo o ano que passou, eu também consigo lembrar de uma porção de coisas abomináveis:

    Tele-evangelista prometendo bênção para quem mandar dinheiro para seu programa; culto que demora a acabar devido a trezentas homenagens; testemunho de milagre mirabolante, que nem Deus acredita; profecia que promete casamento; mega-evento internacional que promete abalar com o mundo; e-mails com teorias conspiratórias sobre a nova lei que fecha igreja e prende pastores; promessa de que todas as carteiras do trabalho serão preenchidas; estudo bíblico provando que o vinho das bodas de Caná era suco de uva; seminário para pedir perdão pelos crimes da guerra do Paraguai; os crimes brasileiros contra o Paraguai; guerra, qualquer uma; o silêncio dos evangélicos sobre a adolescente presa em cela masculina; as penitenciárias brasileiras; e-mail anônimo; cartão de visita de pastor com trinta e oito títulos; sermão em que o texto serviu de pretexto; o brilho nos olhos dos pastores quando almoçam com políticos; piadas racistas; violência doméstica; saber que um presbítero citou o apóstolo Paulo para oprimir mulher e filhos; evangelista que previu o dia da volta de Cristo; “breakfast with The President” para abençoar as tropas que invadiram o Iraque; igreja que não respeita a lei do silêncio; usar o maquiavelismo de que os fins justificam os meios para encobrir desmandos religiosos; desonestidades aceitas para que o evangelho seja anunciado; pastor que amaldiçoa os que saem de sua comunidade; música apaixonada que substituiu o namorado por Jesus; pastor com terno de grife prometendo que Deus enriquecerá o servente da construção; leilão de ofertas, tipo: “Deus me revelou que 10 vão contribuir com mil reais”; cantor que passa mais tempo pregando do que cantando; gracejos de pastor sem mensagem; grito de quem imagina mandar em Deus; paletó e gravata em Teresina; bateria fora do ritmo; “você” grafado assim, com cedilha; reunião secreta na padaria para dividir a igreja; desfalque na fundação social; notícia de mais um político evangélico envolvido com corrupção; alpinismo social gospel.

 

    Mas nem tudo é abominável, existem coisas louváveis, plenas de alegria:

    “A Volta do Filho Pródigo” do Henri Nouwen; abrir o e-mail sem nenhuma pedrada pelo que escrevi; acolher crianças especiais; a paz de criança dormindo; a ternura de mãos se encontrando; mutirão para construir asilo de velhos; amigo abraçando outro enquanto oram de joelhos; oferta para projetos missionários na África; terminar de ler “O Evangelho Maltrapilho”; o filme “A Vila”; hinos da Harpa ou do Cantor Cristão; crianças encenando o Presépio; sermão expositivo; “causos” do folclore evangélicos; cultos rurais iluminados com lampião; congresso “Geração 90” da Mocidade para Cristo; congressos da Vinde; topar com irmãos na fé em lugares imprevisíveis (e não se envergonhar); pizzaria lotada de jovens cristãos no domingo; batismo em lagoa; olhos marejados do noivo enquanto a noiva entra na igreja; o Pai-nosso de mãos dadas; novo convertido; louvores no ritmo de samba; o dizimo de viúva; flanelógrafo; cantata de Páscoa; seminário sobre justiça social; coleta seletiva de lixo; igreja com reunião dos AA’s; político assistindo culto até o fim; piano de cauda; esboço do sermão projetado em telão; Santa Ceia; culto na linguagem dos sinais para surdos; Bíblia em Braile; joelhos dobrados; mãos suadas antes da pregação; passeata contra a violência do Rio de Janeiro; sonhar voando; dormir cansado e não sonhar nada; voltar para o Brasil; lembrar o primeiro hino que ouviu; missionários que trabalham com os índios; conferência missionária; amigo que presenteia CD; apagar notícias ruins da internet antes de abri-las; rir dos tropeções; ler a Bíblia para um querido doente; poder afirmar no velório: “Contudo, eu sei que o meu Redentor vive e por fim se levantará sobre a terra”; parar com a lista das coisas louváveis sabendo que elas excedem as abomináveis.

 

    Soli Deo Gloria.

 

    Ricardo Gondim.