RESGATANDO A SUBMISSÃO

 

    Alguns anos atrás, um casal de amigos me procurou convidando-me para que celebrasse seu casamento. Tivemos um ótima conversa. Fiquei impressionado não apenas com o amor com que se amavam, mas também com a amizade intensa que demonstravam ter um para com o outro. Era um casal crente. Ambos tinham uma sincera e sólida base de fé. Era também um casal moderno, preocupados em construir uma relação que fosse profunda e verdadeira e que ao mesmo tempo respeitasse os limites e as fronteiras de cada um.

 

    Gostei da conversa, me pareceu que estavam bem afinados, e estavam. Solicitei que escrevessem seus votos, que juntos trabalhassem os termos de sua aliança, sempre faço isto. Peço para que o casal escreva seu votos, os compromissos que irão assumir diante de Deus e entre si. Foi quando fiz menção dos votos que ouvi uma preocupação que até então não tinha surgido em nossa conversa - os dois não gostariam de incluir a palavra "submissão" nos votos que iriam assumir. Era compreensível a preocupação deles. Afinal, nenhuma palavra bíblica foi mais mal usada do que esta. Autoridades políticas, pastores, pais, maridos a usaram, e ainda usam, para explorar, manipular e abusar. Ao pedirem que esta palavra não fosse incluída na celebração e que não pretendiam incluía-la nos votos, estavam dizendo não a uma longa história de dominação e poder que não gostariam de ver repetida no seu casamento.

 

    Conversamos bastante sobre este tema. Entendi a preocupação deles. Entendi e concordei. Mas, uma das minhas responsabilidades como pastor tem sido a de resgatar palavras, devolver a elas seu significado e sua beleza. Palavras são as ferramentas do pastor e sua tarefa é dar a cada uma delas sua dignidade e valor. Não é pelo fato de uma palavra ter sido corrompida que devemos jogá-la fora, descartá-la do vocabulário.

 

    A palavra submissão precisava, naquela conversa, ser recuperada. As lembranças do autoritarismo, das mulheres reprimidas, dos filhos abusados, tornavam a submissão numa palavra execrável, maldita, repudiada. No entanto, o relato bíblico, bem como as mais antigas tradições cristãs, consideram a submissão uma das mais importantes expressões da experiência espiritual.

 

    Ser submisso é acolher o outro. O conceito bíblico de submissão não é hierárquico, mas relacional. Não tem nada a ver com estruturas de poder, mas com uma postura para com o outro. Numa estrutura hierárquica, a submissão é uma forma de anulação. Numa experiência de entrega e amor, a submissão é uma forma de afirmação. Sou mais verdadeiramente quem eu sou quanto mais me entrego ao outro em amor. Quanto mais submisso, mais verdadeiro.

 

    Jesus não perde a dignidade de quem é ao esvaziar-se a si mesmo, assumir a forma de um servo e humilhar-se. Embora sendo Deus, fez-se igual a nós - mas ao se fazer igual a nós, tornou-se verdadeiramente Deus entre nós. Por causa de sua humilhação, ele foi exaltado e recebeu um nome acima de todo nome. Quanto mais ele se esvaziou e se deu, mais exaltado e dignificado foi.

 

    Quando um homem ou uma mulher se entregam em amor, se sujeitam mutuamente e esvaziam-se para receber o outro como ele é, acabam por fim afirmando a si mesmo e ao outro. É assim que Paulo define a relação de Cristo com a Igreja e da Igreja em relação a Cristo. É uma relação de amor e submissão, de entrega e aceitação. Nesta relação, submissão e amor tornam-se sinônimos. Cristo ama a igreja e se entrega a ela. Nesta entrega, ele se doa para a santificar. Como resultado desta entrega e santificação, a Igreja torna-se mais verdadeira.

 

    O mesmo acontece quanto um esposo se entrega à sua esposa. Nesta entrega, inicia-se um processo de santificação que torna a esposa mais completa, mais humana, mais verdadeira. Ao nos submetermos uns aos outros, tornamo-nos mais verdadeiramente quem somos diante de Deus.

 

    Todo processo de submissão que escraviza, diminui, avilta e aprisiona, é falso e demoníaco. Era contra isto que aquele casal resistia. No entanto, quando olhamos para a relação de íntima e devota submissão que encontramos na comunhão entre as três pessoas da Santíssima Trindade, percebemos que um sempre afirma o outro, lança brilho sobre o outro, busca a glória do outro. É o Filho que glorifica o Pai em sua entrega de amor para a redenção dos nossos pecados. É o Pai que glorifica o Filho em sua ressurreição; e o Espírito que glorifica o Filho e, através do Filho, glorifica o Pai.

 

    A submissão na comunhão trinitária é perfeita. Este é o modelo proposto na Bíblia para os nossos relacionamentos. Quando a Bíblia fala de submissão não está propondo uma estrutura hierárquica de poder, mas uma forma de relacionar-se onde o amor é amadurecido e a dignidade do outro elevada até a estatura da humanidade real de Cristo Jesus.

 

    Embora a história recente tenha nos deixado um legado traumático do mau uso da palavra submissão, precisamos resgatá-la, devolver a ela sua beleza e verdade. Maridos, esposas, pais, filhos, irmãos e irmãs, não tenham medo de se entregarem uns aos outros, de amar sem querer dominar, de se sujeitarem uns aos outros sem o medo de se perderem. Quem faz isso, ao invés de perder suas identidades, como muitos pensam, irá na verdade afirmá-la. E, mais cedo do que imaginam, irão reconhecer que seremos mais verdadeiramente nós mesmos quando nos dermos mais inteiramente aos outros.

 

    Pr. Ricardo B. de Souza.